domingo, 2 de junho de 2013

Sara Lazarus... e os ciganos


Venho de um tempo em que os mais velhos, por vezes, exortavam as crianças a obedecer a esta ou aquela ordem com uma ameaça quase sempre apenas pateta... embora, algumas vezes, ressumando um indisfarçável aroma de xenofobia: “Olha que vêm aí os ciganos e levam-te!”
Era quase sempre uma ameaça falhada. Ninguém acreditava. Na verdade, nunca soube de algum dos meus amigos ou conhecidos a quem tenha acontecido isso... mas mesmo assim, pensava muitas vezes como seria partir com os ciganos, em caravana, fazendo aquela vida “livre” que, para a miudagem, parecia fantástica. Claro que para tudo é preciso ter uma ponta de sorte. É o caso da Sara Lazarus.
Fazendo orelhas moucas aos avisos, esta jovem cantora de jazz deixou-se levar pelos ciganos... e “rais ma parta” se não ostenta um ar escandalosamente feliz por tê-lo feito!
Dos ciganos aqui em causa, os músicos que a acompanham ao melhor estilo do jazz “manouche”, destaca-se o gigante guitarrista Biréli Lagrène. Ela, a “raptada”, é uma natural dos EUA que actua maioritariamente na França.
É muito bom “ouver” cantar e tocar assim. Faz bem a (quase) tudo!
Bom domingo!
It’s all right with me” – Sara Lazarus
(Cole Porter)




7 comentários:

Anónimo disse...


É, sem sombra de dúvida, Mará! :))... ah! e é bom ser domingo! :)

vovómaria

trepadeira disse...

Um encanto.
Até chegou às pontas dos dedos.

Abraço,

mário

MaesDoc disse...

Samuel
Obrigado pela partilha. Realmente faz bem à alma e aos sentidos.
Gostaria, neste espaço , de sinalizar o falecimento recente de Daniel de Sá, escritor, açoriano, grande humanista. Foi pela sua mão que cheguei ao " Cantigueiro", local que vou folheando amiúde e com prazer. Deve-se a noticia.
Manuel Estrada

samuel disse...

Manuel Estrada:

Lamento profundamente essa notícia triste que, ainda assim, agradeço!

É uma grande perda para a cultura!

São disse...

Gostei imenso de ouvir.

Quanto a Rio, ele tem razão, que chatice!

Porque , de verdade, não creio que seja no mar do povo que ele desague, mas sim no lugar de Passos.

Bom domingo.

augusta disse...

Como poderia deixar de gostar? Adorei!
Por mais esta, para mim, "descoberta", esta linda de domingo prenda, ouvindo novamente, agradeço.

E em dia de muito sol,
bom domingo
um beijinho, Samuel.

Graciete Rietsch disse...

E, a propósito de ciganos, vou transcrever um poema que ouvi, maravilhosamente declamado por Maria do Céu Guerra, num Encontro do CPPC.


OS CIGANOS

Dizem que vêm da Europa Central. Eu vejo-os vir
dos lados de Grijó em lassa caravana.

Debaixo da carroça trota a coelheira,
aproveitando a sombra débil e ambulante.
Sentado na boleia, as rédeas na mão morena
descuidadas, um homem cisma, confia
do caminho ao macho lento a decisão.
Outros homens a pé e mulheres novas
entretêm de riso a caminhada espessa.
Logo após, sobre os burros, os pertences.
Alguns velhos também, já cansados de tudo,
tiram partido do precário trote. As crianças
de peito sugam em sonolenta teima
as elásticas tetas sacudidas, mas alvas e redondas.

Os mais velhitos caminham repartidos
em pequenas e lúdicas manadas, dando
às hortas laterais breves saltos furtivos.
Toda esta gente é morena e tem fala cantada,
levanta para mim doces olhos castanhos.
Dizem que vêm
da Europa Central, de uma raça sem chão,
e aqui procura, de insultos rodeada,
cumprir a sua luta, seu degredo
e sua primitiva vocação.

Dizem que os ciganos desenterram animais defuntos
de alguma enfermidade menos limpa
e neles cravam dentes de fome milenária.
Dizem que as mulheres estão na intimidade
das estrelas e a troco de uns mil-réis
leem nas mãos destinos coloridos.

Dizem que roubam quintais e assaltam capoeiras,
e os aldeões, em pânico secreto,
os expulsam com voz impiedosa e decidida mão
das cercanias do seu chão governado.
Dizem que enganam os incautos campónios
em negócios sempre escuros de animais,
em que fazem passar por uma estampa
o mais escalavrado e cego dos cavalos.
Dizem que na vila, ao desfazer das feiras,
têm por costume, depois de embriagados,
trocar com as bengalas possantes e vistosas
pancadaria rija, de que morrem.
Dizem que vivem estranhos dramas passionais.
Dizem que não têm deus e que se casam
lançando ao ar jubilosos chapéus.

Dizem tudo isso dos ciganos. Eu não sei.
Vejo-os vir dos lados de Grijó
e estão todos de frente para mim
e parecem-me gente – nada mais.


A.M. Pires Cabral, in Algures a Nordeste

Gostei muito deste poema que talvez até já conheças.

Um beijo.